quarta-feira, 10 de maio de 2017

A Beleza é uma ferida

"A Beleza é Uma Ferida", do indonésio Eka Kurniawan, é um romance multifacetado histórico que se deixa envolver por um realismo fantástico que remete rapidamente ao Sr. Garcia Marquez. A atmosfera fantástica, a excentricidade dos personagens e, sobretudo o tom jocoso, a sátira nos leva imediatamente ao Sr. Garcia Marquez, mas o autor destoa ao acrescentar um caráter folclórico ( o que me levou a uma associação involuntária à Mia Couto), cheio de histórias, que se interlaçam ao redor da prostituta mais procurada de Halimunda Dewi Ayu, a e suas lindas filhas.

A beleza é o fio condutor destas histórias, a beleza que pode ser uma benção ou um fardo. As três primeiras filhas de Dewi Ayu são belas, a ultima Dewi Ayu pede para nascer horrorosa, e é o que ocorre. Em ambos os casos, a beleza ou sua ausência, parecem determinar destinos. modificar rumos das guerras, criar e destruir. Beleza interfere até na política, a beleza como mãe do amor e do ódio.

Mas toda esta atmosfera fantástica e folclórica deixa lugar ainda para o grande trunfo de Eka Kurniawan, que é a história política da Indonésia, por meio da cidade fictícia de Halimunda, tão fictícia quanto a querida Macondo. O autor desenvolve um grande trabalho para aliar este caráter histórico à literatura fantástica. Em grande parte do livro, temos uma combinação primorosa, que envolve e agita a narrativa. No entanto, a história densifica a história, que de início  se propõe mais leveza. Ou seja, a história da inidonésia eleva a narrativa, mas também pode se tornar um engodo para alguns leitores.

O livro é extenso, são muitas histórias, a maioria divertida e com viradas sensacionais ou absurdas, o autor brinca um pouco com o tempo da narrativa, mais pro fim, As vezes isso enfada, torna a leitura lenta. Mas no geral, a diversão é garantida.

Vamos acompanhar a família de Dewy Ayu (tragédia familiar), uma prostituta que volta à vida depois de 20 anos morta. Morta porque quis, escolheu a hora de morrer e de volta à vida. Como se pode ver, Dewi Ayu é uma personagem irreverente, extremamente sarcástica, com tiradas e respostas cortantes e engraçadas. Encara a vida com uma naturalidade e criatividade exuberantes.

nome paradoxal da menina mais nova. que encarna em si o próprio paradoxo da beleza. A beleza é ua ferida. beleza que parece vir com violência sexual

beleza sempre tragica para mulheres.

O fato de ser uma leitura multifacetada permite várias leituras, pode ser divertda, mas também incomoda pelas brutalidades que descreve em tom despretencioso. A imersão na atmosfera jocosa se contrapõe a violência, guerra etc.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

"Risíveis Amores" (Milan Kundera)

Ano: 2012 / Páginas: 264
Idioma: português 
Editora: Companhia de Bolso
"Risíveis Amores" é a segunda obra publica de Milan Kundera. Um livro de contos que traz à tona a temática do amor e do sexo na modernidade.  

O elo entre os sete contos é a mentira ou a ilusão. Os personagens são um lembrete de como estamos sempre atuando, criando uma imagem falsa de nós mesmos para viver socialmente. A vida é um teatro. E nos relacionamentos amorosos é que este teatro atinge seu ápice, seu grande momento. A ilusão é uma necessidade. 

Kundera é poético e elegante (como sempre), os seus enredos, extremamente simples, servem de acesso a reflexões profundas acerca da hipocrisia humana. Kundera tem uma capacidade de criar histórias de onde menos se espera, acontecimentos banais são revestidos de sentido com os monólogos dos personagens. A utilização primorosa do discurso indireto livre, a construção dialética dos diálogos e mergulho psicanalítico são outras características da sua escrita. 

Os contos prezam pelo humor, o tom lúdico enlaça a obra do início ao fim. São histórias engraçadas e divertidas, mas que tendem também ao trágico, por escancarar o vazio da experiencia social. Como somos superficiais, como somos falsos. 

Em "Ninguém vai rir", o conto mais engraçado de todos, temos uma mentira que sai do controle. O mesmo acontece em Eduardo e Deus, em que uma mentira inicial leva a outras tantas, impossíveis de se manter. 

No "Jogo do carona" temos um casal de namorados que resolvem fingir que são estranhos, mas terminam descobrindo que não estavam fingindo. Em o Pomo de Adão temos o jogo da conquista, em que se vai percebendo que jogo é mais importante que a conquista em si. 

Em "os velhos mortos..." temos dois antigos conhecidos que se reencontram e , na tentativa de causar os mesmos sentimentos de desejo de outrora, tratam de criar uma aparência altamente destoante da realidade. Esta encenação lança uma nova luz ao passado distante e culmina no sexo casual na terceira idade.

Outro aspecto que atmosfera cômica criada por Kundera denuncia é a incapacidade para rir de si mesmo. Não levar a vida tão a sério é um desafio para a nossa sociedade. Estamos tão ligados ao nosso ego que não conseguimos perceber como somos patéticos. As nossas preocupações, nossas competições, nada escapa à nossa mesquinhez egocêntrica. Tudo isto é encarado com uma seriedade tão exacerbada... ah, como estamos distantes da essência das coisas.





sexta-feira, 29 de abril de 2016

"O Amante" (Marguerite Duras)

Ano: 2012 / Páginas: 128
Idioma: português 
Editora: Cosac Naify
"Permitam-me dizer, tenho quinze anos e meio.
Uma balsa desliza sobre Mekong.
A imagem permanece durante toda travessia do rio.
Tenho quinze anos e meio, esse país não tem estações, vivemos numa estação só, quente, monótona; vivemos na longa zona quente da terra, sem primavera, sem renovação" (p. 8)
Quinze anos e meio, numa balsa atravessando o rio, com um vestido claro de seda natural, sapatos de salto alto em lamê dourado, usando um chapéu masculino de abas retas e lisas. Esta é a maior e mais recorrente composição, quase fotográfica, que você vai encontrar em "O Amante".

O tom autobiográfico da obra é tanto inegável quanto indeterminado. Segundo  Leyla Perrone-Moisés, "quase todas as obras de Marguerite Duras são autobiográficas na medida em que são transposições de experiências existenciais da autora", no entanto é impossível saber onde começa a biografia e onde termina a ficção, dificuldade que nem mesmo os biógrafos da autora conseguiram contornar (p. 103 e 106). Este entrelaçamento entre vida real e ficcional faz de Duras uma figura emblemática, que se confunde com o que escreve.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

"A Cor Púrpura" (Alice Walker)

Ano: 2016 / Páginas: 356
Idioma: português 
Editora: José Olympio
Celie é uma jovem negra que vive no sul dos Estados Unidos entre os anos de 1900 e 1940. Miserável, alfabetizada precariamente, utiliza seu vocabulário caipira e gramaticalmente incorreto para escrever cartas, inicialmente, endereçadas a Deus.

Sem condições de reação, Celie sofre, desde muito cedo, contínuos abusos. Seu pai começa a estuprá-la quando não pode mais fazê-lo com a sua mãe. Ele a engravida duas vezes, até que, em razão da violência recorrente, ela fica estéril. Os seus filho-irmãos são levados, sem que ela saiba o que lhes aconteceu.
"Mas você, o que você tem? Você é feia. Magricela."
Em toda a história, a violência não é somente física, mas também simbólica. Celie é submetida diariamente a uma severa dominação, que a impede de reconhecer-se como protagonista da própria vida.


O seu pai a vende para que se case com Albert, um homem mais velho, viúvo, pai de quatro filhos mau-criados. O casamento se resume a estupros, abusos, espancamentos e intenso trabalho doméstico. Limitada e passiva, Celie não consegue emancipar-se.

terça-feira, 5 de abril de 2016

"Emparedada da Rua Nova" (Carneiro Vilela)

Ano: 2013 / Páginas: 518
Idioma: português 
Editora: CEPE
Recife é a boatolândia brasileira. Qualquer mero boato que passa ileso por um cidadão comum, pode virar lenda urbana ou profecia para os recifenses (pesquise sobre a "perna cabeluda", a origem do nome da Praça Chora Menino ou sobre uma tal enchente que nunca aconteceu, mas levou a cidade à loucura).

Para escrever "A Emparedada da Rua Nova", Carneiro Vilela, muito influenciado por um movimento positivo-cientificista,  se utiliza de documentos reais (a notícia que estampa as primeiras páginas do livro sobre o cadáver no Engenho Suaçuna, é verdadeira, por exemplo). Além disso, um narrador onisciente vai dispor os fatos "tal como alguém lhe contou". Por estas e outras razões, não se pode dizer, até hoje, se o caso da "emparedada" é verídico ou ficcional. Qualquer que seja a resposta, a história já faz parte, grosso modo, do inconsciente coletivo dos recifenses.


Trata-se de um romance histórico, publicado originalmente na forma de folhetim, entre os anos de 1909 e 1912. Isso explica os capítulos curtos e abundantes, bem como,  a superposição e cruzamento de enredos que caracterizam a uma narrativa não linear, cheia de idas, vindas e retomadas.

quinta-feira, 31 de março de 2016

"A Desumanização" (Valter Hugo Mãe)

Ano: 2014 / Páginas: 160
Idioma: português 
Editora: Cosac Naify
A ligação entre irmãos gêmeos sempre esteve envolta por mistérios e lendas. Até que ponto uma intensa ligação emocional pode se tornar física?  

Em "A desumanização", acompanhamos a vida de Halla, logo após sua irmã gêmea Sigridur falecer. A segunda era a mais ativa, confiante e sonhadora. Após a sua morte, Halla é a metade de um inteiro, a irmã "menos morta".  

O ambiente inóspito e encantador dos fiordes islandeses se alinha com esta narrativa bela e assustadora. Triste, enfim. Em uma vila de pescadores, todos são velhos, as pessoas são tão frias quanto o clima. Com 11 anos, Halla é a criança que sobrou. Está sozinha em todos os sentidos, de todas maneiras possíveis.

Os personagens desenvolvem sua forma lidar com a dor. A mãe de Halla com a autoflagelação. Mas é com o pai que ela terá os melhores diálogos sobre poesia, livro e as palavras. Enquanto os seus sentimentos para com a mãe oscilam entre pena e ódio, o pai parece agir como um sopro de vida na secura afetiva que a cerca.

domingo, 11 de outubro de 2015

"A Invenção das Asas" (Sue Monk Kidd)

Ano: 2014 / Páginas: 328
Idioma: português 
Editora: Paralela
"Ela estava presa como eu, mas presa por sua mente, pela mente das pessoas em volta dela, não por lei. Na Igreja Africana, sr. Vesey dizia: "Cuidado, você pode ser escravizado duas vezes, uma vez pelo corpo e uma vez pela mente"

Se tivesse que escolher uma passagem que sintetizasse "A Invenção das Asas"... seria esta. 

Sue Monk Kidd resgata a história de Sarah e Angelina Grimké, mais conhecidas por "irmãs Grimké". As duas, vindas de uma família aristocrata da Carolina do Sul, se destacaram por lutar pelas causas abolicionista e feminista no século XIX. Em "A Invenção das Asas", a história delas é permeada pela narrativa de "Encrenca" ou Hetty Grimké, a escrava de companhia de Sarah, que, apesar de ter possivelmente existido, tem sua vida imaginada pela autora do livro. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

"Lolita" (Vladimir Nabokov)


Edição: 1
Editora: Alfaguara
Ano: 2011
Páginas: 392
Tradutor: Sergio Flaksman
Quem nunca ouviu falar de Lolita? Ou ninfeta? O romance é revisitado constantemente, em livros e, sobretudo, nas telenovelas. As "Lolitas" das telenovelas (mulheres jovens e sensuais que gostam de homens com idades mais avançadas) são resultado do apoderamento do feminino para a criação de uma imagem plana, fútil e capitalista, que culmina, sempre, na comercialização do corpo da mulher. O que acontece é uma personificação da visão machista e dominadora, que tende a mostrar "tudo aquilo que um homem pode esperar de uma mulher", malícia e inocência juntas num só ser. Elas são provocantes, sexualmente insaciáveis, infantis, tentadoras. Tudo, menos humanas. 

Acontece que no livro de Nabokov, Dolores Haze, uma garota de 12 anos, é apenas um objeto de desejo do protagonista, um desejo talvez nunca, verdadeiramente, consumado. A Lolita do livro é uma criação, nunca existiu na realidade material, é uma obra mental de Humbert. Isto fica muito claro durante todo o livro, principalmente nas partes finais, em que o próprio personagem, epifanicamente, acorda de seu delírio. Dolores não é a Lolita descrita, porque Dolores existe e Lolita é apenas a figura que Humbert projeta sobre ela. Ao contrário destas (re)produções 

televisivas, o livro tem contexto. Está claro para o leitor que Dolores não é tal qual o narrador descreve. Portanto a imagem publicitária "lolita" é uma versão barata e infame da idealização de Humbert. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

DOS DIAS QUE FINJO POESIA: "Porta"

Porta.
Prefiro deixar entreaberta 
A luz intensa me desmantela 
Se põe a desenhar círculos
que me furtam a cor
Se a deixo entrar por completo
Não demora e estou cega.


sábado, 22 de agosto de 2015

"O Lobo da Estepe" (Herman Hesse)

Editora: Altaya / Record
ISBN: 8501154164
Ano: 1995
Páginas: 224
Tradutor: Ivo Barroso
Harry Haller é um erudito cinquentão que vive em conflito consigo mesmo. Apesar de vir de família burguesa e viver como um burguês, acha asqueroso este estilo de vida. A organização, a limpeza e a vida amena são atributos de uma vida que Harry não conseguiria tolerar. É uma luta, para ele, continuar a existir, sobretudo por causa do seu ser dual, ora Harry ora Lobo da Estepe (como ele se intitula).

Esta dicotomia entre homem e lobo, faz com que Harry viva em dilema eterno. O lobo queria caminhar sozinho nas estepes, beber sangue e perseguir lobas, enquanto o homem buscava sensações nobres e delicadas. Por isso Harry vive uma vida solitária, em meio a muito álcool, exemplares de Dostoievski e Goethe e ao som de Mozart.

A morte para ele é como uma saída de emergência que pode ser utilizada a qualquer momento e isto, de certa forma, o inspira a continuar a viver e ver até quando pode aguentar. Certo dia, chega as suas mãos um exemplar do "Tratado do Lobo da Estepe", um livro que, curiosamente, conta a história de alguém chamado Harry que se acha metade homem e metade lobo da estepe. Segundo o "Tratado do Lobo da Estepe" é uma burrice viver de tal forma, pois homens como Harry são seres multifacetados, com várias possibilidades e formas de ser, e deviam se utilizar da ironia para viver.

Em uma noite incomum, Harry conhece Hermínia que o arrasta para sua vida vulgar, conduzindo-o para festas, bailes e noitadas. Por meio de Hermínia, Harry conhece Maria e Pablo. Este trio fará Harry conhecer novas sensações e um novo estilo de vida que o levará, por fim, ao Teatro Mágico, onde ele poderá experimentar uma enorme gama de possibilidades para seu próprio ser.