quarta-feira, 20 de abril de 2016

"A Cor Púrpura" (Alice Walker)

Ano: 2016 / Páginas: 356
Idioma: português 
Editora: José Olympio
Celie é uma jovem negra que vive no sul dos Estados Unidos entre os anos de 1900 e 1940. Miserável, alfabetizada precariamente, utiliza seu vocabulário caipira e gramaticalmente incorreto para escrever cartas, inicialmente, endereçadas a Deus.

Sem condições de reação, Celie sofre, desde muito cedo, contínuos abusos. Seu pai começa a estuprá-la quando não pode mais fazê-lo com a sua mãe. Ele a engravida duas vezes, até que, em razão da violência recorrente, ela fica estéril. Os seus filho-irmãos são levados, sem que ela saiba o que lhes aconteceu.
"Mas você, o que você tem? Você é feia. Magricela."
Em toda a história, a violência não é somente física, mas também simbólica. Celie é submetida diariamente a uma severa dominação, que a impede de reconhecer-se como protagonista da própria vida.


O seu pai a vende para que se case com Albert, um homem mais velho, viúvo, pai de quatro filhos mau-criados. O casamento se resume a estupros, abusos, espancamentos e intenso trabalho doméstico. Limitada e passiva, Celie não consegue emancipar-se.


Celie está acorrentada a sua condição social e racial, mas, sobretudo, a sua condição de mulher. Enquanto a primeira a impede de ser reconhecida como legítima na sociedade, de obter educação de qualidade, de ser uma cidadã plena, a segunda, ainda mais severa, a impede de construir sua identidade, lhe priva de ser considerada, amada, valorizada. Pior ainda, lhe ensina a reproduzir aquilo que a escraviza.
"Mas ela continua. Você tem de brigar. Você tem de brigar. Mas eu num sei como brigar. Tudo queu sei fazer é cuntinuar viva"
Foto publicitária do filme homônimo
Durante a narrativa, Celie vai entrar em contato com mulheres diferentes. Walker traz personagens femininos peculiares, distintas entre si, deixando de lado essa planificação que parece igualar todas as personagens femininas tanto no cinema quanto na literatura. Estas mulheres, mais independentes, expressivas, livres, vão estimulando Celie num longo e lento processo de empoderamento.

Shug Avery é uma excêntrica cantora de jazz, amante Albert. Desde a primeira vez que Celie a vê, por fotografia, desenvolve uma admiração  intensa por ela. As duas iniciam uma amizade sincera que evolui para um relacionamento amoroso clandestino. Pela primeira vez, Celie vai se sentir amada, necessária, desejável. Iniciam-se suas primeiras descobertas sexuais. Virgem de amor, virgem de prazer, é com Shug que ela vai aprender a desvendar seu corpo.

Nettie, irmã de Celie, e Sofia, a primeira esposa de Harpo (filho de Albert), são outras personagens que vão influir nesta transformação, nesta busca pelo autoconhecimento e amor próprio. Com a ajuda destas mulheres somada a uma independência financeira obtida pelo trabalho, Celie vai se distanciando cada vez mais da impotência e passividade que lhe eram tão características no início do livro e cria coragem para abandonar o marido.

Este processo é perceptível na leitura. A linguagem de Celie apesar de continuar simplória, começa a servir de instrumento para construções intelectuais mais complexas que no início. Os diálogos se tornam mais ricos.

O trunfo de Walker não é somente descrever um relacionamento lésbico, no ano de 1982, porque ela vai muito além. Há uma diferenciação nítida entre Celie e Shug. Sugh Avery é bissexual, Celie não. Me parece que há um interesse da autora em destacar isto. Outro ponto é que Walker traz a tona um arranjo familiar que está longe de ser o modelo tradicional de família. E, ainda, sinaliza em certo ponto da história a possibilidade de um relacionamento mais aberto entre Celie e Shug Avery.

O livro também se diferencia por mostrar o machismo como um sistema que provoca sofrimentos indistintamente. A pressão sofrida pelos homens para se comportar "como homens". Ou seja, não ocorre uma demonização destes (o que é um risco sempre que se aborda questões feministas), muito pelo contrário, mostra-se que eles estão imersos em um cultura que ajudam a reproduzir e perpetuar, construídas por valores que não são mais questionados porque lhes concedem privilégios, mas sobretudo porque são os únicos que conhecem. São seres humanos, podem ser infinitamente cruéis, mas ainda possuem essa capacidade tão nossa de amar, mudar e perdoar.
"Eu acho que Deus deve ficar fora de si se você passa pela cor púrpura num campo qualquer e nem repara"
"A Cor Púrpura", mais que uma reflexão sobre o feminismo,  é um convite à prática da sororidade e empatia.







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