sexta-feira, 29 de abril de 2016

"O Amante" (Marguerite Duras)

Ano: 2012 / Páginas: 128
Idioma: português 
Editora: Cosac Naify
"Permitam-me dizer, tenho quinze anos e meio.
Uma balsa desliza sobre Mekong.
A imagem permanece durante toda travessia do rio.
Tenho quinze anos e meio, esse país não tem estações, vivemos numa estação só, quente, monótona; vivemos na longa zona quente da terra, sem primavera, sem renovação" (p. 8)
Quinze anos e meio, numa balsa atravessando o rio, com um vestido claro de seda natural, sapatos de salto alto em lamê dourado, usando um chapéu masculino de abas retas e lisas. Esta é a maior e mais recorrente composição, quase fotográfica, que você vai encontrar em "O Amante".

O tom autobiográfico da obra é tanto inegável quanto indeterminado. Segundo  Leyla Perrone-Moisés, "quase todas as obras de Marguerite Duras são autobiográficas na medida em que são transposições de experiências existenciais da autora", no entanto é impossível saber onde começa a biografia e onde termina a ficção, dificuldade que nem mesmo os biógrafos da autora conseguiram contornar (p. 103 e 106). Este entrelaçamento entre vida real e ficcional faz de Duras uma figura emblemática, que se confunde com o que escreve.


A história de "O Amante" se passa na Indochina Francesa (atual Vietnã), onde Marguerite conhece um rico chinês de Saigon, doze anos mais velho, com quem vivenciará as primeiras experiências sexuais. O relacionamento, essencialmente sexual, dura por três anos.

Pobre, miserável, Duras vai presenciar a decadência moral da família, sobretudo da sua mãe e seu irmão mais velho. Os sentimentos ambíguos que sente pela mãe residem na linha tênue que separa o amor do ódio, emoções tão parecidas em sua intensidade, mas diametralmente opostas na direção. Pelo que descreve, a mãe é uma alienada, vive em um mundo próprio e estéril à realidade. Parece ter sido o jeito que encontrou pra contornar a desgraça, a miséria e a dor.

Marguerite Duras na juventude
É assim que a autora consegue, de maneira altamente fragmentada e não linear, executar um trabalho extenuante de revisitação e ressignificação do passado. Afinal, nossa memória é seletiva e fadada  a compreensões precárias no decorrer do tempo, mas também tem este poder único de recriar a si mesma na esperança de fazer sentido.

Além do caráter fragmentário, também se identifica, com muita facilidade, uma alternação de vozes. As vezes ela escreve em primeira pessoa, as vezes em terceira. A escrita em terceira pessoa tem o condão de expressar distanciamento, seja ele temporal ou emocional. Temos o olhar de perto e o olhar de longe.
"É como se já tivessem uma vida completa, como se ela lhes viesse de fora. É como se eu não tivesse nada parecido. A mãe diz: essa nunca vai ficar contente com nada. Acho que minha vida começa a se mostrar pra mim. Acho que já sei dizer o que ela é, tenho uma vaga vontade de morrer. (...) Vou escrever livros. É o que vejo para além do instante, no grande deserto que se afigura como extensão de minha vida" (ps.87 e 88)


Duras é inerte. Encara a vida como se fosse um fato consumado. Esse desencantamento é constante. Ela tem esta tendência (que nasce de um não se importar com nada) a ser triste, a aceitar de imediato tudo que lhe acontece. Vive em um estado entorpecido. Como se seu corpo fosse apenas um instrumento, uma vazão, para uma pulsão involuntária e irresponsável por abstração completa, um perder-se de si mesma, já que é a única coisa que tem a perder.

O desejo "suicida" emerge, fortemente, no sexo. A tal vontade de morrer, de ver até onde é possível se morrer, de fugir da existência física, encontra uma forma de se expressar através do que os franceses chamam de "La Petit Mort" (a pequena morte), ou seja, do momento transcendental orgasmático.
"(...) entregues à infâmia de um gozo de morrer, dizem elas, de morrer dessa morte misteriosa dos amantes sem amor. É disso que se trata, dessa disposição para morrer" (p. 71)
Repetitivo e de pontuação escassa, o texto melodioso e oral de Duras traz uma prosa poética marcada por toques de sensualidade, melancolia e tragicidade.

A autora também faz críticas sociais interessantes e existem vários outros temas que podem ser desenvolvidos. O seu relacionamento com os irmãos, a bela explanação que faz sobre como pensamos que as pessoas são imortais até que morram, entre outras. "O amante" é um romance pequeno somente no que se refere à quantidade de páginas.

"Muito cedo foi tarde demais em minha vida" (p. 7) 
Edição______________








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