sexta-feira, 24 de julho de 2015

"As Intermitências da Morte" (José Saramago)

Editora: Companhia das Letras
Ano: 2005
Páginas: 208

Tão natural quanto a vida é a morte e esta ainda mais certa que aquela.

Como diria Vinicius de Moraes, "a morte é a angústia de quem vive", mas talvez a vida sem morte também o seja. Uma confere significado a outra, não há como imaginar um mundo em que a morte, ou as mortes, não existam. É nesta dicotomia que se consagra a narrativa de Saramago em "As Intermitências da Morte".

Num primeiro momento, sem nenhum aviso, um país inteiro é felicitado, ou condenado, a não mais morrer. Sim, desde às zero horas do primeiro dia do ano, não há defunções. Aqueles que se encontravam a beira da morte, encontram-se agora em estado de "morte suspensa".

Já que não se morre no país, as pessoas levam seus familiares, que estão em situação de morte suspensa, para os países fronteiriços para que lá possam finalmente morrer. É então que aparece a máphia, uma associação criminosa que, fazendo alianças com o governo, começa a comercializar este serviço de levar à morte.

Com muita ironia, Saramago nos apresenta o cenário criado por esta nova realidade, sobretudo no que diz respeito à moral, economia, política, relações familiares e hipocrisia velada. Os problemas que vão aparecendo, de asilos que vão ficando lotados, de funerárias que não podem mais trabalhar, seguros de vida sem propósito e hospitais lotados, são resolvidos das formas mais mirabolantes.

"Que dirá a vizinhança, perguntou, quando der por que já não estão aqui aqueles que sem morrer, à morte estavam"
Em meio ao caos geral, a morte dá o ar da graça, anunciando que a partir do dia seguinte todos voltarão a morrer como antes, com o único diferencial de que serão informados, por ela mesma, uma semana antes de acontecer, por meio de um bilhete de cor violeta, assinado simplesmente por "a morte", em minúsculas. O bilhete lhes informava do prazo improrrogável de 7 dias para morrer, dias estes que deveriam servir para os acertos financeiros finais e despedidas.

Mas uma destas cartas, volta ao remetente. Agora a morte, personificada em um esqueleto de gadanha e capa, tem que descobrir como conseguiu tal feito, um certo violoncelista. Aqui se inverte o ponto de vista da narração. Agora vamos dar continuidade à fábula pelos olhos da morte.

Interessante é que a morte vai nos aparecendo com perspectivas morais mais elevadas que os próprios humanos. E ainda que a morte tente, jamais ganha a empatia dos humanos, seja quando some, seja quando aparece, seja quando avisa que está por vir.

A prosa de Saramago não é de todo fácil, a linguagem é arcaica, mas elegante e concisa. E assim como Machado de Assis (em bem da verdade, acho que os dois possuem algumas semelhanças relevantes), ele gosta de conversar com o leitor. Apesar de fininho, não é um livro que se lê em um dia, uma vez que exige certa atenção, mas é sim agradável, instigante e bem divertida. Obviamente que não é a melhor obra de Saramago, mas tem o seu charme. 
"Enfim, de deus e da morte não se tem contado senão histórias, e esta não é mais que uma delas".
Edição _________________




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