Edição: 1 Editora: Companhia das Letras Ano: 2014 Páginas: 136 Tradutor: Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca |
"Por que Kundera é um dos poucos grandes escritores vivos? Porque, para ele, entre a filosofia e a literatura não há diferença" (Kierkegaard, Nietzsche)
Ao contrário de "A Insustentável Leveza do Ser", o livro "A Festa da Insignificância" não adentra tão intensamente nas mentes dos personagens, mesmo porque é bem mais curto e conta com o mesmo número de personagens ou até mais que o primeiro. Na verdade, parece que os personagens e seus pensamentos estão ali apenas para dar vazão às críticas encontradas no livro. De resto, o estilo de Kundera permanece o mesmo, escrita simples, mas com requinte, crítico e suave.
De maneira eclética e por vezes despretensiosa, "A Festa da Insignificância" retrata eventos cotidianos da vida de Alain, Charles, Calibã e Ramon, que se vem imersos em uma sociedade cada vez mais vazia e insignificante.
A erotização do umbigo, "o charme secreto de uma doença grave", uma suicida que, epifanicamente, se torna uma homicida, as dificuldades de entendimento entre pessoas de tempos diferentes, são temas que Kundera, incrivelmente e a seu modo, consegue conectar e explorar.
"-- A inutilidade de ser brilhante, sim, eu entendo. -- Mais que inutilidade. Nocividade. Quando um sujeito brilhante tenta seduzir uma mulher, ela acha que tem que entrar em competição. Também se sente obrigada a brilhar. A não se entregar sem resistência. Ao passo que a insignificância a libera."
Os amigos se encontram na festa de aniversário de D'Ardelo e perdidos em meio a dilemas pessoais e pessoas pelas quais não possuem a mínima afinidade, alternam o bom humor com o mal estar, se sentido cada vez mais sozinhos e desiludidos.
Críticas ao stalinismo pontuam a história, bem como reflexões sobre a superficialidade da sociedade francesa, que se vê em meio a coquetéis despidos de significado, que lota exposições de arte pelas quais nem mesmo se interessa e que não mais se recorda de personagens históricos (inclusive Stalín).
"-- O ser humano é apenas solidão [...] Uma solidão cercada de solidões"
Em meio a um "paquistanês fictício" criado por Calibã para se divertir nos coquetéis em que trabalha e as explicações de Alain para ser um "desculpante", Kundera costura uma trama leve e delicada, que questiona os conflitos pessoais, satiriza a sociedade contemporânea e deixa muito de sua essência nas entrelinhas.
Típico de Milan, os títulos sempre antecedem o cerne dos capítulos e partes (o livro se divide em 5 partes) e é normal que a narração parta de um personagem para o outro, mostrando várias perspectivas do mesmo fato, o que dinamiza a leitura.
"Com efeito, essa queda é sinal de quê? De uma utopia assassinada, depois da qual não haverá mais nenhuma outra? De uma época que não deixará mais traços? Dos livros, dos quadros jogados no vazio? Da Europa, que não será mais Europa? Das gozações que não farão mais ninguém rir?"
Um livro sutil e delicado, mas ao mesmo tempo irônico e perspicaz, que chega como quem não quer nada, mas tem muito a dizer. Filosófico, no estilo Kundera de ser, e fluido, "A Festa da Insignificância" consegue incitar uma reflexão muito profunda sobre o sentido da vida e a "ilusão da individualidade".
"A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda a parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome"
Edição _________________
A edição da Companhia das Letras é muito linda, capa dura e com uma aquarela belíssima na capa. As folhas são amareladas e as letras até que são grandinhas. Fiquei muito feliz com essa edição, porque os demais livros de Kundera eu só encontro na Companhia de Bolso e, venhamos e convenhamos, a única coisa boa de edição de bolso é o preço.
Li apenas um livro de Milan Kundera (A brincadeira) e gostei bastante. Achei essa edição linda, e estou com muita vontade de ler.
ResponderExcluirAdorei a resenha e o blog!
Beijos!
www.blogsemserifa.com
Aaah, estou com "A Brincadeira" aqui pra ler. Adoro Milan!
ResponderExcluirEssa edição é muito linda mesmo, vale a pena!
Muito obrigada pela atenção :D
Fico felicíssima de saber que você gostou!
Beijinhos.